Criar experiências é a nossa meta, mas não podemos criá-la diretamente. O que designers de games podem criar são os games, como uma argila a ser moldada na forma de experiências fabulosas.
Todos os tipos de games (de tabuleiro, de cartas, atléticos, de parques, de festas, de aposta, quebra-cabeças, de arcade, eletrônicos, de computador e vídeo-games) têm algo em comum que os define enquanto “games”.
1. Falação Sobre Definições
A falta de um vocabulário padronizado na área do design de games pode parecer um problema para os acadêmicos, mas os designers conseguem se compreender, com algumas explicações necessárias.
Entretanto, um problema real que encontramos é a falta de termos para discutir algumas das ideias mais complexas que surgem a partir dos processos de design de games.
Como em muitos outros campos de design, designers de game seguem seu instinto, mas com dificuldade em definir e comunicar exatamente o quê está bom ou ruim no design de um game.
O problema não está exatamente na falta de palavras, mas na falta de um pensamento claro sobre o que essas ideias realmente são. O vocabulário da área se formará organicamente, com o tempo.
Um bom designer deve ser capaz de pensar, e pensar em ideias, conceitos e definições nos ajuda a aperfeiçoar a nossa prática, uma vez que esses processos levantam mais perguntas do que respostas.
2. Definições
- Diversão é um prazer com surpresas.
- Jogar, brincar, é manipular para satisfazer uma curiosidade.
- Um brinquedo é um objeto com que se brinca.
- Um bom brinquedo é um objeto com que é divertido brincar.
- Um game é uma atividade de solução de problemas que abordamos de um jeito divertido.
3. Jogo e Trabalho
Jogo é tudo que é feito espontaneamente e por si só.
George Santayana
- “espontaneamente”
- Qualquer tentativa de forçar um jogo o transforma em trabalho.
- “por si só”
- Jogamos porque gostamos de jogar.
- Uma atividade em si não pode ser classificada como “trabalho” ou “brincadeira”, o que importa é a atitude de quem realiza a atividade.
O trabalho e a brincadeira se tornam equivalentes à servidão e à liberdade.
George Santayana
- Trabalhamos porque somos obrigados. Somos escravos de nossa fome, segurança, conforto e família.
- Quanto mais “obrigado” alguém se sente em fazer algo, mais se parece com “trabalho“.
- Quanto menos “obrigado” alguém se sente em fazer algo, mais se parece com “jogo“.
É um princípio invariável de todo jogo … quem brinca, brinca livremente. Quem deve brincar não pode brincar.
George Santayana
4. O Que nos Motiva a Jogar?
Para definições sobre as atividades humanas, pode ser útil prestar menos atenção na atividade em si e mais atenção nos tipos de pensamentos e sensações que a motivam.
Muitas brincadeiras parecem tentativas de responder a questões como:
- O que será que acontece se eu apertar esse botão?
- Será que podemos vencer esse time?
- O que será que dá pra fazer com essa argila?
- Quantas vezes eu consigo pular essa corda?
- O que será que vai acontecer quando eu terminar esse nível?
Buscar respostas livremente (sem obrigação) leva à curiosidade, mas não necessariamente ao jogo.
Jogo também envolve ação voluntária, geralmente manipulando algo.
Jogo é manipulação que satisfaz a curiosidade.
Jesse Schell
5. Características-Chave dos Games
- Games são iniciados voluntariamente.
- Games têm objetivos.
- Games têm conflitos
- Games têm regras.
- Games podem ser ganhados ou perdidos.
- Games são interativos.
- Games têm desafio.
- Games criam seus próprios valores internos.
- Games envolvem os players.
- Games são sistemas formais fechados.
Games são um exercício em um sistema de controle voluntário, em que há uma disputa entre poderes, limitado às regras com o fim de produzir um resultado desigual.
Elliot Avedon e Brian Sutton-Smith
- “um exercício num sistema de controle voluntário“: deliberadamente escolhemos participar do sistema do game.
- “uma disputa de poderes“: duas (ou mais) coisas batalhando por domínio. Games têm objetivos e games possuem conflito.
- “limitado às regras“: games possuem regras (brinquedos não). Regras são uma das características que definem um game.
- “um resultado desigual“: o sistema do game começa em equilíbrio e termina com alguém ganhando ou perdendo.
Um game é uma estrutura interativa de significado endógeno que requer players batalhando para atingir um objetivo.
Greg Costikyan
- “uma estrutura interativa“: o player é ativo (não passivo) e interage com as estruturas (regras) do game, que por sua vez interage de volta com o player.
- “batalhando para atingir um objetivo“: implica um conflito desafiador (um bom game possui a quantidade certa de desafio – nem de mais, nem de menos).
- “significado endógeno“: as relações de significado são geradas internamente pela própria estrutura do game. Quanto mais “valor endógeno” um game consegue criar dentro de seu sistema, mais cativante ele se torna.
Exemplo de Valor Endógeno: Bubsy (SNES/Sega Genesis) e Sonic (Sega Genesis)
Você joga como um gato que tenta chegar ao final dos níveis, derrotando inimigos e evitando obstáculos, além de coletar novelos de lã para pontos extras.
Contudo, os pontos não servem para nada além de medir quantos novelos você coletou.
Com o tempo, os players passam a simplesmente ignorar os novelos, focando nos inimigos e obstáculos para chegar ao final do nível.
Por quê? A motivação principal do jogador é completar os níveis. Uma maior pontuação em nada ajuda nesse objetivo, logo, os novelos de lã não possuem nenhum valor endógeno.
Sonic the Hedgehog 2, um game de plataforma semelhante, não sofre desse problema. Os anéis que você coleta em Sonic possuem muito valor endógeno e é muito importante para os players.
Por quê? Carregar anéis protege seu avatar de inimigos, e a cada 100 anéis coletados, você recebe uma vida extra (o que aumenta suas chances de completar o nível).
Um game é um sistema formal fechado, que envolve os players em um conflito estruturado, que se resolve num resultado desigual.
Tracy Fullerton, Chris Swain e Steven Hoffman
- “envolve os players”: é importante que os players se sintam envolvidos, “mentalmente imersos” no game.
- “um sistema formal fechado”:
- “sistema“: games são formados por elementos inter-relacionados que trabalham juntos;
- “formal“: o sistema é claramente definido (tem regras);
- “fechado“: há limites que delimitam o game (“o círculo mágico” de Johan Huizinga)
6. Solução de Problemas
Até aqui, analisamos como os games se relacionam com as pessoas.
Agora, vamos observar como as pessoas se relacionam com os games.
Dentre as diversas razões citadas pelas pessoas (amigos, atividade física, imersão), desponta o prazer pela solução de problemas (uma vantagem evolutiva própria do humano).
Exemplos de problemas que gostamos de resolver em games:
- Conseguir fazer mais pontos que o outro time.
- Conseguir chegar à linha de chegada antes dos outros players.
- Conseguir terminar este nível.
- Conseguir destruir o outro player antes que ele destrua você.
- Conseguir calcular riscos e ganhar o máximo de dinheiro possível.
- Conseguir controlar a sorte e ganhar o jogo.
Como resolvemos problemas e como isso se relaciona com as características-chave dos games:
- Declarar o problema que estamos tentando resolver: definir um objetivo claro (2).
- Enquadrar o problema, determinar os limites e a natureza do espaço do problema, além dos métodos que podemos utilizar: determiar as regras do problema (4).
- Modelar o problema (uma versão simplificada da situação real) para podermos considerar e manipular os elementos com mais facilidade: interagir com a situação-problema (6).
- Estamos estabelecendo um sistema formal fechado (10) com um objetivo.
- Trabalhamos para atingir tal objetivo, o que é geralmente um desafio (7)
- porque envolve algum tipo de conflito (3).
- Se nos importamos com o problema, ficamos envolvidos por tentar resolvê-lo (9).
- Ao focar no nosso modelo simplificado da realidade, elementos do espaço-problema que nos aproximem da solução ganham uma importância interna, mesmo que não tenha valor fora do contexto do problema (8).
- Finalmente, resolvemos o problema, ou somos derrotados por ele: ganhamos ou perdemos (5).
O círculo mágico é um sistema de solução de problemas internos.
Essas micro-realidades (modelos) criadas pela mente destilam os elementos essenciais da realidade para um problema em particular. Manipulamos esse mundo interno e tiramos conclusões dele, que podem ser válidas e significativas no mundo real.
Um game é uma atividade de solução de problemas
- Para que essa atividade seja jogo, não trabalho, a solução do problema deve ser iniciada voluntariamente (1).
Games são atividades de solução de problemas que abordamos de um jeito divertido.
Definimos esses termos para ganhar novos insights sobre design de games.
Não podemos compreender toda a verdade sobre os jogos até compreendermos toda a verdade sobre a própria vida.
Lehman e Witty