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O que é um Jogo?

Why do we play games?

Antes de conhecermos as definições teóricas de jogo, é importante compreendermos alguns pontos:

  • A relação entre jogo e interação llúdica é complexa e pode ser entendida de duas maneiras diferentes, porém não excludentes:
    • 1. Os jogos podem ser considerados como um subconjunto das interações lúdicas. Jogos são apenas um tipo de interação lúdica, juntamente com tocar uma guitarra, brincar com brinquedos ou desenhar, que são interações lúdicas porém não são jogos.
    • 2. A interação lúdica também pode ser considerada apenas um dos diversos elementos dos jogos. Jogos possuem diversos elementos (regras, componentes, narrativas…), sendo um deles a interação lúdica.
  • A palavra “jogo” significa muitas coisas na língua portuguesa:
    • “Este volante está com jogo” – jogo como uma folga dentro de uma estrutura rígida. Jogar bem um jogo é compreender bem as folgas dentro da estrutura rígida das regras do jogo.
    • “Não faça jogos com meus sentimentos.”
    • “Joga essa peça para mim.”
  • A palavra “play” significa muitas coisas na língua inglesa:
    • tocar – to play the guitar
    • brincar – to play with my dog
    • jogar – to play a game
    • interpretar – to play a role

David Parlett

Historiador inglês, especialista em jogos de tabuleiro e cartas, era mais cético quanto à definição do termo “jogo”, mas acabou criando sua definição formal.

Parlett separa o jogo formal (os jogos, como os conhecemos) do jogo informal (as brincadeiras). Para ele são as regras que dão a identidade formal do jogo.

Segundo Parlett, o jogo é composto por uma dupla estrutura:

  • Fins: o jogo é uma competição para atingir um objetivo.
    • Somente um dos concorrentes (indivíduos ou equipes) pode alcançá-lo, uma vez que o ato de atingir o objetivo termina o jogo.
    • Todo jogo tem um vencedor.
    • Vencer é o “fim” do jogo, em ambos os sentidos da palavra (como término e como objetivo).
  • Meios: o conjunto acordado de equipamentos e regras procedimentais por meio das quais o equipamento é manipulado para produzir uma situação vencedora.

Clark C. Abt

Psicólogo americano conhecido por ser o primeiro a formalizar o uso e conceitos dos serious games.

Segundo Abt, o jogo, reduzido à sua essência formal (regras), é uma atividade entre dois ou mais tomadores de decisão independentes buscando alcançar seus objetivos dentro de um contexto limitador.

Uma definição mais convencional seria dizer que um jogo é um contexto com regras entre adversários tentando conquistar objetivos.

Apesar de correta, é uma definição aberta demais, e acaba abrangendo também coisas que não são jogos. Por exemplo, um curso universitário também é uma atividade entre tomadores de decisão independentes (alunos, professores, equipe da universidade) buscando alcançar objetivos (graduação, pesquisa, ensino) dentro de um contexto limitador (a universidade e suas regras).


Johan Huizinga

Historiador e linguista holandês, foi o primeiro a criar uma definição de jogo.

Para Huizinga, o jogo ou brincadeira é uma atividade livre, ficando conscientemente tomada como “não séria” e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro.

Ela é praticada dentro de seus próprios limites de tempo e espaço de acordo com regras fixas e de uma maneira ordenada. Promove a formação de agrupamentos sociais, que tendem a se cercar de sigilo e sublinhar a sua diferença em relação ao mundo comum, por disfarce ou outros meios.

De acordo com Huizinga, os jogos profissionais não entram na categoria de “jogos”, porque uma vez que há lucros, pagamentos e expectativas profissionais envolvidas, a atividade deixa de ser livre.

O dinheiro pode ou não macular a liberdade de um jogo. Amigos apostando uma rodada de bebidas ao jogar truco ainda jogam de maneira livre. E alguns jogadores profissionais, apesar de estarem submetidos ao sistema financeiro esportivo, ainda jogam porque gostam de jogar.

Em outras palavras, para Huizinga, todo jogo precisa ser autotélico, isto é, capaz de gerar prazer por si só. Algumas atividades, como aprender, são naturalmente autotélicas.

Adicionar um interesse extrínseco ao jogo (por exemplo, interesses materiais) torna a atividade em heterotélica ou exotélica, ou seja, a recompensa do jogo está fora dele. A liberdade do jogo fica maculada, e se corre o risco de quebrar o círculo mágico. A partir do momento em que um interesse externo é inserido no jogo, não temos mais certeza do porquê as pessoas estão jogando.

Existe na psicologia o que se chama da teoria da superjustificação. Em um experimento, dois grupos de crianças receberam papéis e giz de cera para fazer desenhos. Um dos grupos ficou livre para produzir quantos desenhos quisesse. O outro grupo seria recompensado por cada desenho que produzisse (por exemplo, ganharia uma estrelinha). Surpreendentemente, o grupo autotélico (que desenhavam pelo puro prazer de desenhar) produziu mais desenhos. A conclusão é que as atividades autotélicas acaba sendo mais satisfatórias do que as atividades heterotélicas.


Roger Caillois

Sociólogo, crítico literário e ensaísta francês.

Para Caillois, o jogo é uma atividade:

  • livre: não é obrigatória;
  • separada da realidade: têm limites próprios no espaço-tempo;
  • incerta: o resultado do jogo nunca é previamente determinado;
  • improdutiva: jogar não cria bens ou riqueza material, visto que isto afetaria o voluntarismo de participação na atividade;
  • regida por regras: que suspendem as leis ordinárias;
  • de faz-de-conta: jogos fazem, de alguma maneira, oposição à vida real.

Bernard Suits

Filósofo americano que cunhou o termo “lusory attitude” (atitude lúdica).

Para Suits, interagir em um jogo é engajar-se em uma atividade direcionada para produzir um determinado estado de coisas usando apenas meios próprios permitidos pelas regras, em que as regras proíbem meios mais eficientes em favor dos menos eficientes. Tais regras são aceitas apenas porque possibilitam essa atividade.

Em outras palavras, interagir em um jogo é o esforço voluntário para superar obstáculos desnecessários.


Chris Crawford

Estudioso de jogos digitais e game design americano, escreveu o primeiro livro de game digital da história: “The Art of Computer Game Design“.

Crawford não define exatamente o que é um jogo, mas diz que todo jogo deve apresentar 4 elementos:

  1. Representação:
    1. O jogo é um sistema formal fechado que representa subjetivamente um subconjunto da realidade.
    2. Um jogo cria uma representação subjetiva e deliberadamente simplificada da realidade emocional.
    3. O jogo é um sistema fechado e completo, autossuficiente como estrutura. Em outras palavras, o modelo de mundo criado pelo jogo é inteiramente completo.
    4. O jogo é formal, ou seja, possui regras explícitas.
    5. O jogo é uma coleção de partes que interagem entre si, ou seja, todo jogo é um sistema.
  2. Interação Lúdica:
    1. A coisa mais fascinante sobre a realidade não é o que ela é ou se ela muda, mas como muda, a intrincada teia de causa e efeito através da qual todas as coisas são amarradas.
    2. A única maneira de representar adequadamente essa teia é permitir que o público explore seus recônditos, para deixá-los gerar causas e observar efeitos.
  3. Conflito:
    1. Aparece em todos os jogos.
    2. Surge naturalmente da interação.
    3. O jogador está buscando um objetivo, porém obstáculos o impedem.
    4. O conflito é intrínseco ao jogo – direto ou indireto, violento ou não.
  4. Segurança:
    1. Conflito significa perigo, que significa risco de dano, o que é indesejável.
    2. O jogo fornece experiências psicológicas de conflito e perigo, excluindo suas realizações físicas.
    3. É uma maneira segura de se experimentar a realidade (os resultados são menos adversos do que as situações que o jogo modela).

Greg Costikyan

Game designer (conhecido sob o pseudônimo de “Designer X“), teórico de jogos e escritor de ficção científica americano.

Para Costikyan, um jogo é uma forma de arte na qual os participantes (denominados jogadores) tomam decisões a fim de gerenciar os recursos por meio das fichas do jogo em busca de um objetivo.

Primeiro teórico a considerar os jogos como forma de arte (1995).


Elliott Avedon e Brian Sutton-Smith

Historiadores e teóricos de jogos. O primeiro, fundador e primeiro curador da Elliott Avedon Museum and Archive of Games, na Universidade de Waterloo; e o segundo passou a vida tentando descobrir o significado cultural do jogo na vida humana, respectivamente.

Para eles, jogos são exercícios (movimento) de sistemas de controle voluntário em que há uma competição entre forças, limitadas por regras para produzir um desequilíbrio (o jogo começa equilibrado – “0x0” – e termina desequilibrado – alguém ganha, alguém perde).


Katie Salen e Eric Zimmerman

Designer de jogos, animadora e educadora, um dos maiores nomes sobre jogos na educação; e game designer e CEO da Gamelab, respectivamente. Autores de “Rules of Play: Game Design Fundamentals“.

Para eles, um jogo é um sistema no qual os jogadores se envolvem em um conflito artificial, definido por regras, que implica em um resultado quantificável.


Jesper Juul

Game designer, educador e teórico de jogos dinamarquês, cunhou a mais recente definição de “jogo” (2006).

Para Juul, todo jogo:

  1. É um sistema formal baseado em regras.
  2. Possui resultados variados e quantificáveis.
  3. Para diferentes resultados são designados diferentes valores.
  4. O jogador exerce esforço para influenciar o resultado.
  5. As consequências (prêmio/recompensa/qualquer coisa externa ao jogo) da atividade são opcionais e negociáveis (não há problema se houver ganhos materiais).

Essas definições não necessariamente estão corretas, mas dada sua aplicabilidade no mundo do game design, certamente não estão erradas.

Algumas atividades são óbvias quanto à classificação como jogo ou não. Todos sabemos que “Super Mario” é um jogo, enquanto “varre a casa” não é.

Mas sempre haverá situações limítrofes, em que uma atividade pode ou não ser considerada “jogo” dependendo de como ela é analisada.

Author:

Actor, Language Consultant, Astrologist and Game Design Student. Sagittarius, 26 y.o. - São Paulo/BR

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