Posted in Experience

O Designer cria uma Experiência

O designer não está preocupado em simplesmente criar um jogo, mas em criar uma experiência.

Experiências englobam absolutamente tudo o que vemos, fazemos, pensamos e sentimos. Apesar de serem tudo o que conhecemos, são difíceis de definir, e são essencialmente subjetivas.


1. O Game não é a Experiência

Se uma árvore cai na floresta e não tem ninguém para escutar, sua queda faz barulho?

Antiga pergunta Zen

Se a definição de “som” for a vibração das moléculas do ar, então sim. Se a definição de “som” for a experiência de ouvir o som, a resposta é não. Como designers, não nos interessa a árvore ou como ela cai – nos interessa a experiência de escutá-la cair.

O player e o game são reais, mas a experiência é imaginária, e designers de games são avaliados pela qualidade dessa coisa imaginária (pois é por causa dela que jogamos os games).

Enquanto designers, não podemos criar a experiência diretamente, então criamos artifatos (regras, tabuleiros, programas) que podem criar certos tipos de experiência quando um player interage com eles. Não temos acesso direto à experiência do player – por isso ouvir com atenção é tão essencial.


2. Isso é uma Exclusividade dos Games?

Os designers de games têm que lidar com um tipo de interação muito maior do que os designers de experiências mais lineares (livros, filmes, peças, quadros etc.).

A separação entre o game e a experiência do game é muito mais óbvia do que entre um filme e a experiência de assistir a ele, pois damos ao player uma boa dose de controle sobre o passo e a sequência de eventos da experiência (alguns inclusive aleatórios!).

Por mais desafiador que seja, criamos games pela experiência que eles criam. Há certos tipos de sentimentos: de escolha, de liberdade, de responsabilidade, de realização, de amizade e muitos outros que somente as experiências de um game podem trazer.


3. Três Abordagens Práticas para Encontrar o Arco-Íris

Para criar experiências memoráveis, cativantes e maravilhosas, devemos embarcar numa jornada um tanto intimidante: descobrir os mistérios da mente e os segredos do coração humano. Vamos perguntar a três áreas que se aventuraram nesses meandros:

  1. Psicologia
    1. Nos ajuda a entender a natureza da experiência humana, estudando os mecanismos que governam a mente. Contudo, são cientistas, obrigados a trabalhar no reino do que é reál e verificável.
    2. Houve um cisma no começo do século XX: behavioristas que focavam no estudo do comportamento mensurável, com experimentação objetiva e controlada, e os fenomenologistas que estudavam o que os designers de games mais se interessam – a natureza da experiência humana e a “sensação do que acontece”, através do estudo introspectivo (examinar as experiências enquanto elas acontecem), necessariamente subjetivo.
    3. A Psicologia nos oferece ferramentas bastantes úteis, provenientes tanto dos experimentos behavioristas quanto da introspecção fenomenológica: enquanto designers de games, não nos interessa a verdade do mundo objetivo, mas o que parece ser verdade no mundo da experiência subjetiva.
  2. Antropologia – “A mais humanista das ciências, e mais científica das humanidades.” – Alfred L. Kroeber
    1. Oferece uma abordagem muito mais holística, observando aspectos físicos, mentais e culturais. Estuda semelhanças e diferenças entre os vários povos no mundo, não só hoje mas através de toda a História.
    2. Para designers de games, a abordagem da antropologia cultural é a que mais interessa: o estudo dos modos de vida dos povos viventes, na maioria das vezes pelo trabalho de campo.
    3. Abordando nossos players com a visão da antropologia cultural, entrevistando-os, aprendendo tudo o que pudermos sobre eles, colocando-nos em seus lugares, ganhamos insights que não teríamos de um ponto de vista mais objetivo.
  3. Design
    1. Os diferentes campos do design oferecem uma grande variedade de “regras de ouro” que ilustram princípios úteis sobre a experiência humana.
    2. Não há muito trabalho teórico para estudo, mas tudo o que é criado para as pessoas experienciarem e gostarem tem algo a nos ensinar.

O conhecimento deve ser usado e aplicado como ferramentas disponíveis numa caixa. Devemos ter ao mesmo tempo uma mente aberta e praticidade – boas ideias podem vir de qualquer lugar, mas só serão úteis se nos ajudarem a criar experiências cada vez melhores.


4. Introspecção: Poderes, Perigos e Prática

Introspecção é o (aparentemente simples) ato de examinar seus próprios pensamentos e sensações – ou seja, sua própria experiência.

Ouvindo com atenção a si mesmo (observando, avaliando e descrevendo suas próprias experiências), podemos formar opiniões rápidas e decisivas sobre o que está ou não funcionando no nosso game, e por quê.

Entretanto, a introspecção pode ter alguns perigos. Vejamos:

  1. A Introspecção pode levar a falsas conclusões sobre a Realidade
    1. Só porque algo parece ser verdade, não significa que realmente seja.
    2. Cientistas usam a introspecção para examinar um problema a partir de um ponto de vista que a lógica não alcança, mas não tiram conclusões científicas a partir dela.
    3. Design de Games não é uma Ciência! Nos preocupamos com o que “parece real”. Como a introspecção de Aristóteles levou a grandes trabalhos na metafísica, teatro, ética e mente, onde o que parece real é mais importante do que aquilo que é objetivamente provado ser real.
    4. Quando lidamos com a mente e o coração humanos, tentando entender como sentimos e experienciamos as coisas, a introspecção é uma ferramenta poderosa e confiável. Enquanto designers de games, não precisamos nos preocupar com esse primeiro perigo.
  2. O que é Verdade para mim pode não ser Verdade para os outros
    1. Este é o perigo a ser levado a sério. É o perigo da subjetividade, uma armadilha para designers. O público, às vezes, tem gostos diferentes dos nossos.
    2. “Então só vou criar jogos para pessoas como eu
      1. Designers de games tendem a gostar de coisas que pouca gente vai querer investir.
      2. Não dá pra criar ou desenvolver um game sozinho.
      3. Há muitos tipos de games e públicos que você vai deixar de alcançar.
    3. “Então não dá pra confiar na introspecção”
      1. Em algum momento uma posição pessoal será requisitada, especialmente no início do processo.
      2. Players podem inicialmente rejeitar uma ideia diferente, que poderia crescer e se tornar incrível.
      3. Playtests não acontecem diaramente, decisões importantes sobre o design do game sim.
    4. O caminho é escutar – a si mesmo e aos outros. Observando suas próprias experiências e as dos outros, tentando se colocar no lugar do outro, começamos a desenvolver um quadro de como nossas experiências diferem das dos outros.
    5. Com esse quadro claro em mente, podemos, como antropólogos culturais, começar a nos colocar no lugar do público e prever as experiências que eles irão ou não gostar.

5. Derrotando Heisenberg

Como podemos observar nossas próprias experiências sem interferir nelas, sendo que o ato de observação em si é uma experiência?

Paralisia por análise (baseado no Princípio da Incerteza de Heisenberg) – assim como o movimento de uma partícula não pode ser observado sem alterar seu movimento, a natureza de uma experiência não pode ser observada sem que se altere sua natureza.

  1. Analisar Memórias
    1. Analisar a memória de uma experiência é mais fácil do que a análise em tempo real. Mesmo imperfeita, é melhor que nada.
    2. Disciplinar a mente para se engajar numa experiência com a intenção de analisar a memória imediatamente a seguir pode aumentar e eficiência das observações.
  2. Duas Passagens
    1. Viver a experiência duas vezes. Da primeira vez, não pare para analisar nada – apenas viva a experiência. Depois, repetir a experiência, dessa vez analisando tudo – até pausando para tomar notas se necessário.
    2. A primeira experiência, imaculada, está fresca na memória, enquanto a segunda se permite reviver com a chance de pararmos e pensarmos, considerando como nos sentimos e por quê.
  3. Dar uma Espiada
    1. Com um pouco de prática, é possível observar a experiência sem estragá-la ou interrompê-la significativamente, dando olhadas rápidas no processo enquanto ele acontece.
    2. O que fundamentalmente interrompe a experiência é o diálogo mental interno.
  4. Observar em Silêncio
    1. Idealmente, queremos uma observação contínua, como se nos observássemos de fora, ouvindo nossos pensamentos e sentindo nossas emoções.
    2. Nesse estado, é quase como se tivéssemos duas mentes: uma dinâmica, engajada na experiência, e outra estática, silenciosamente observando a primeira.
    3. Prática e meditação são aliadas para atingir esse estado de ouvir a si mesmo.

Não basta para o designer ter uma ideia geral sobre o que ele gosta ou não. É necessário saber dizer com clareza o que se gosta ou não e por quê.

Ao jogar um game, analise como fez você se sentir, o que fez você pensar e o que fez você fazer. Estabeleça claramente – sentimentos são abstratos, palavras são concretas, e ajudam a descrever para os outros o tipo de experiência que gostaríamos que o nosso game fosse capaz de produzir.


6. A Experiência Essencial

Para fazer um bom game, não precisamos replicar experiências reais, mas capturar a essência e a radiância dessas experiências para o game.

O objetivo é descobrir os elementos essenciais que realmente definam a experiência que desejamos criar e encontrar maneiras de torná-los parte do design do game, para que os players, assim, os experienciem.

Os elementos essenciais de uma experiência real podem ser expressos tanto na arte (animação, ambiente, som) quanto nas regras do game.

Exemplo de Experiência Essencial: Baseball (Wii Sports)

Originalmente, os designers queriam um game que fosse tão real quanto possível, com o bônus de poder balançar o controle como um bastão.

Com o tempo, eles perceberam que não teriam tempo para simular cada aspecto do baseball tão bem quanto queriam.

Como balançar o controle era a melhor parte do game, os designers decidiram focar toda sua atenção nessa parte da experiência do baseball – pois sentiram que era uma parte essencial.

Outros detalhes (nove tempos, roubar bases etc.) não fizeram parte da experiência essencial que os designers tentavam criar.

Com uma visão clara das experiências que os players têm no decorrer game, e quais partes do game habilitam quais experiências, é mais fácil entender quais elementos do game podemos (ou não devemos) modificar.


8. A Realidade é o que se Sente

A única realidade que conhecemos é a nossa experiência da realidade, que não é a realidade de fato, mas uma realidade filtrada por nossos sentidos e pela nossa mente.

Experienciamos um tipo de ilusão, que apesar de não ser a realidade em si é tudo o que pode existir de real para nós, pois faz parte de nós.

Uma dor de cabeça para os filósofos, mas uma maravilha para o design de games, porque isso significa que as experiências que criamos através dos nossos games têm uma chance de parecer tão (ou mais) reais e significativas quanto as experiências cotidianas.

Author:

Actor, Language Consultant, Astrologist and Game Design Student. Sagittarius, 26 y.o. - São Paulo/BR

Leave a comment